quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

parto normal após cesárea? sim, podemos.

publicado originalmente em 2002, na revista da associação britânica aims (association for improvements in the maternity services) com o título “vbac – on whose terms?” e republicado recentemente no blog espanhol el parto es nuestro com o título “si quieres intentar un parto vaginal después de cesárea”, o artigo abaixo (em livre tradução da cia das mães) é fundamental para informar e preparar mulheres que já passaram por uma cesárea e pretendem parir naturalmente.

vbac – nos termos de quem?
neste artigo, gina lowdon e debbie derrick chippington exploram as razões para as atuais baixas taxas de vbac e o que as mulheres podem fazer para conseguir mais pontos a seu favor.
o altamente respeitado “guide to effective care in pregnancy and childbirth”, diz: os cuidados com uma mulher em trabalho de parto após uma cesárea anterior devem diferir muito pouco daqueles dedicados a qualquer mulher em trabalho de parto. (1)
apesar das evidências que sustentam a segurança e a conveniência do vbac (parto vaginal após cesárea), as mães que sofreram uma ou mais cesáreas são muitas vezes levadas a acreditar que o vbac é uma opção arriscada e que pode se tornar perigosa, especialmente para o bebê. esta impressão é ainda mais enfatizada pelos “protocolos hospitalares,” que ditam a “gestão” da mulher em trabalho de parto após uma cesárea anterior. estes protocolos variam em conteúdo e flexibilidade de um hospital para outro e de um especialista para outro. as práticas das parteiras também variam.
os protocolos para a gestão de vbac’s geralmente incluem algumas ou todas das seguintes instruções:
não induzir.
internação adiantada; as mães são frequentemente orientadas a ir para o hospital logo que o trabalho de parto começar.
monitoração eletrônica contínua do feto.
colocação de gotejamento intravenoso ou, pelo menos, de cânula, de modo que um intravenoso possa ser administrado rapidamente se necessário.
limitação da duração da primeira fase do trabalho de parto.
limitação da duração da segunda fase do trabalho de parto.
com exceção da não indução, não parece haver nenhuma evidência de que tais medidas sejam benéficas para mães ou bebês, e há fortes argumentos que indicam que tais restrições ao curso natural do trabalho de parto possam ser prejudiciais para a maioria de mães e bebês saudáveis.
poucas mulheres percebem que essas políticas, que guiam a prática dos profissionais de maternidade, não são legalmente impostas a elas, que elas não têm nenhuma obrigação de cumpri-las. além disso, a maioria das mulheres são levadas a acreditar que se não cumprirem tais “regras” colocarão seu bebê em risco ou podem deixar de ter assistência, se ou quando a necessidade surgir.
na realidade, as mulheres são deixadas sem escolha real e pouco controle. “mães vbac” geralmente são confrontadas com a perspectiva de um trabalho altamente medicalizado, realizado nos termos e para uma escala de tempo previstos pelo hospital e pela equipe médica, sem consulta ou consideração de suas necessidades como indivíduos. estas são muitas vezes precisamente as condições que causaram uma cesárea evitável anteriormente e também as condições que algumas mães agora percebem que precisam evitar se quiserem maximizar as chances de um parto vaginal.
a mensagem de que vbac’s são partos de ‘alto risco’ persiste fortemente. de acordo com o national sentinel caesarean section report, em algumas unidades, a apenas 8% das mães com cesárea prévia é oferecida a possibilidade de parir naturalmente. a taxa de vbac nacional [inglaterra, 2002] é de apenas 33% e a diferença entre as unidades de atendimento varia de 6% a 64%. (2)
as mulheres que procuram um vbac, muitas vezes, experimentaram trabalhos de parto anteriores difíceis e altamente medicalizados, os quais elas não têm nenhum desejo de repetir. muitas mulheres consideram que as restrições adicionais estabelecidas pelas políticas dos hospitais para a gestão de vbac são assustadoras e muito preocupantes. elas se perguntam como encontrarão forças na mente e no corpo para se submeter a tais eventos, mas também falta informação e coragem para assumir o aparente risco de ir contra o “conselho” de profissionais de saúde.
a maioria das mulheres preferiria experimentar um parto vaginal livre de intervenções e com o apoio apropriado. no entanto, as mulheres querem o que é melhor para o bebê e é extremamente raro encontrar uma mulher preparada para passar por um parto vaginal a qualquer custo. é uma demonstração da força do desejo por um parto vaginal o que faz tantas mulheres irem adiante com o trabalho de parto, apesar das condições desfavoráveis que lhes são impostas.
se uma mulher percebe que ela não será capaz de manter o controle durante o parto, ela pode preferir optar por um procedimento cirúrgico que será mais previsível. no mundo moderno de hoje os procedimentos cirúrgicos são frequentemente mais familiares do que os processos de nascimento vaginal natural. muitas pessoas conhecem alguém que já tenha passado pela cirurgia sem considerá-la traumática. mães podem, portanto, ver a cirurgia como uma provação, pela qual sentem que devem ser capazes de passar.
além disso, as mães têm nenhuma razão para acreditar que os profissionais de saúde lhes dariam outra coisa que não o melhor em termos de informação e cuidado. poucas mulheres estão cientes de que, se lhes for dada a informação suficiente, elas podem ser perfeitamente capazes de tomar suas próprias decisões sobre quais as medidas adequadas e aceitáveis, quais as inúteis ou sem benéfico, e, assim, serem capazes de manter um grau de controle com o qual se sintam são confortáveis .
mulheres informadas são capazes de parir com confiança se forem livres para fazê-lo em seus próprios termos, e podem conseguir uma experiência positiva de parto vaginal, ou então mudar para uma cesariana antes do trabalho de parto se tornar um teste terrivelmente desagradável de resistência.
indução
alguns médicos continuam a induzir partos de mães com cesárea prévia rotineiramente, apesar dos riscos adicionais. as cápsulas de gel de prostaglandina entraram em uso generalizado no final de 1980 e as preocupações têm sido cada vez maiores sobre o efeito que podem ter sobre o tecido da cicatriz uterina de mulheres suscetíveis. artigos anteriores deste journal (ver aims journal, outono de 2001) têm lidado com as sérias preocupações relativas ao uso de misoprostol em cápsulas de gel especial e prostaglandina em geral. há certamente evidências suficientes para sugerir agora que a indução de rotina de vbac’s deve ser evitada e, quando é necessária, ela deve ser conduzida com muito cuidado.
mães vbac” que vão a termo estão, portanto, numa posição difícil e muitas vezes sob pressão para aceitarem uma cesárea eletiva. elas ouvem histórias assustadoras de placentas que começam a falhar com 42 semanas, e de bebês que crescem tanto que a tensão sobre a cicatriz certamente resultará em uma ruptura.
embora haja evidências de que a redução do número de mulheres que vão a mais de 42 semanas de gestação pode melhorar os resultados, os riscos envolvidos na gravidez pós-termo são muito pequenos. a data máxima prevista para o parto também pode variar muito, dependendo de qual método de cálculo for utilizado.
não há nenhuma evidência que sustente o medo de que bebês maiores sejam mais propensos a provocar ruptura da cicatriz cesariana, e na verdade muitas gestações gemelares também resultam em vbac’s de sucesso. “mães vbac” dão à luz bebês muito grandes e saudáveis, alguns dos quais após partos cesarianos de irmãos muito menores. o não progresso do trabalho de parto e o sofrimento fetal raramente são evidências de pélvis pequena ou incapacidade da mãe para parir de forma eficaz – é muito mais provável que sejam causados por apoio insuficiente e excesso de medicalização.
normalmente, pouca ou nenhuma consideração é dada aos casos de mães que tenham passado uma gravidez saudável, que talvez tenham um longo ciclo menstrual, que muitas vezes podem ter concebido mais tarde, cujo histórico familiar possa tender à gravidez mais longa, que podem muito bem ser naturalmente destinadas a ter uma gravidez mais longa, cujo bebê está ativo e saudável e simplesmente não completamente pronto para nascer ainda.
se uma mãe está confiante de que está tudo indo bem com seu bebê, ela pode preferir evitar os riscos da indução ou da cesárea eletiva, preferindo deixar a natureza seguir seu curso sem entraves. o ônus não deve ser sobre a mãe, de recusar intervenções médicas de rotina, deve ser sobre os profissionais de saúde ao convencerem uma mãe de que qualquer intervenção é necessária ou vantajosa no seu caso particular.
internação adiantada
mães vbac” são frequentemente aconselhadas a irem ao hospital logo que entram em trabalho de parto. a justificativa para tal conselho é a de que a cicatriz uterina pode romper – deixando algumas mães aterrorizadas com a primeira contração!
a taxa mais frequentemente citada de ruptura da cicatriz cesariana é de 0,5%, ou uma em 200 trabalhos vbac, a grande maioria das quais são benignas (não causando problemas para a mãe ou o bebê). complicações graves de ruptura da cicatriz cesariana são muito raras.
todas as gravidezes apresentam riscos. problemas sérios, potencialmente fatais, podem surgir durante o trabalho de qualquer mulher. por exemplo, prolapso do cordão umbilical tem sido estimado em 1% (3), o dobro da incidência de ruptura da cicatriz cesariana, mas a este perigo potencial não é dado a mesma importância que é dada ao menor risco de ruptura grave da cicatriz cesariana. na verdade, muitas mulheres grávidas passam uma gravidez inteira sem que ele seja nenhuma vez ser mencionado. parece odioso destacar um risco adicional muito pequeno da ruptura uterina como tática assustadora, e devemos questionar as razões disso.
uma mãe saudável que não tem preocupações com o bem-estar imediato de seu bebê pode preferir passar a parte inicial do trabalho de parto em casa, esperando até que o processo esteja bem estabelecido e ela sinta que chegou o tempo certo de ir para o hospital.
contrariamente à crença comum, o nascimento em casa é uma opção para as “mães vbac” e há muitas mulheres que exerceram este direito, mesmo depois de duas ou mais cesarianas. na verdade, dar à luz em casa pode ser mais seguro do que um parto hospitalar, já que é muito mais provável que o trabalho siga seu curso natural e que os riscos associados a intervenções de rotina em vários partos sejam evitados.
monitoração fetal contínua
mulheres são geralmente informadas de que o monitoramento eletrônico fetal contínuo será necessário se houver histórico de cesariana. numerosos estudos têm mostrado que o monitoramento eletrônico fetal aumenta as taxas de cesariana e não melhora os resultados para mães ou bebês. não há sinais de que “mães vbac” exijam qualquer monitoramento para além do que é normalmente apropriado para todas as mães.
ruptura de cicatriz cesariana com sérias consequências é uma ocorrência rara e, consequentemente, pouco se sabe sobre seus possíveis sinais de alerta. alguns profissionais são da opinião de que o monitoramento de pulso materno é suficiente para detecção de problemas potenciais.
os médicos são obrigados por lei a pedir o consentimento da paciente antes de qualquer forma de tratamento ou cuidado que seja administrado. muitas vezes, particularmente quando procedimentos de “rotina” são utilizados durante o parto e nascimento, o consentimento tende a ser assumido como automático, ao invés de ser solicitado, deixando sobre a mãe o ônus de recusar qualquer procedimento.
por mais difícil que seja, as mães têm o direito de recusar os tratamentos oferecidos. na verdade o ônus deve ser sobre o profissional de saúde, de se certificar que a mãe está informada e deu consentimento, o que significa que os possíveis efeitos colaterais e/ou riscos de qualquer tratamento devem ter ficado claros. um tratamento adequado não pode ser suspenso, por isso, se alguns minutos ou algum tempo depois uma mãe muda de ideia ou decide que as circunstâncias agora merecem a intervenção proposta, o tratamento pode continuar naquele momento.
isso se aplica a todas as formas de tratamentos e cuidados, incluindo todas as intervenções comuns nos partos como a indução, o monitoramento eletrônico fetal, os exames vaginais, o aumento do ritmo do trabalho, ou o uso de fórceps ou ventosa. as mães têm o direito de dizer “não, obrigado”.
qualquer tratamento ou cuidado prestado na sequência de uma recusa clara ou feito sem o consentimento da mãe, constitui abuso passível de ação judicial por parte da mulher contra o profissional de saúde responsável.
colocação de gotejamento intravenoso
algumas políticas hospitalares para gestão de vbac incluem a implantação de um gotejamento intravenoso ou cânula, para o caso de emergência súbita. o risco de uma emergência desse tipo é muito baixo – pouco maior do que para qualquer parturiente. na grande maioria dos casos, não seria difícil providenciar rapidamente a colocação, se necessária. as mães podem, portanto, se desejarem, tirar suas próprias conclusões sobre se este procedimento seria útil no seu caso.
limitação da duração da primeira fase do trabalho de parto
é comum que restrições sejam colocadas sobre a duração da primeira fase do trabalho de parto. o temor é o de que um trabalho de parto prolongado provocaria uma pressão indevida sobre o útero e aumentaria o risco de ruptura da cicatriz cesariana. não há evidências científicas para apoiar essa teoria. a duração que os hospitais “permitem” para o trabalho de parto varia muito, demonstrando que a opinião está longe de ser universal sobre esta questão.
quando combinada com uma política de internação adiantada, a restrição do tempo faz com que as”mães vbac” estejam praticamente fadadas a falhar, já que a duração do trabalho é muitas vezes confundida com o tempo decorrido durante todo o parto.
considerando que o trabalho de parto é espontâneo e prossegue no seu próprio ritmo, não há razão para supor que modernas cicatrizes cirúrgicas não suportem um parto normal. na verdade, há casos onde o trabalho de parto dura vários dias, seguido pelo nascimento vaginal de sucesso, com bebê saudável e útero intacto. se é permitido à natureza tomar seu curso, os trabalhos tendem a acontecer de forma mais suave e não apresentam problemas por si só.
quando a mãe está trabalhando bem e o bebê não dá sinais de angústia, parece absurdo transferir uma mãe ao centro cirúrgico para uma operação de emergência simplesmente porque um prazo de tempo arbitrário expirou. a condição da mãe e do bebê devem ser os indicadores primários para saber se um trabalho pode continuar com segurança, e não o número de horas batendo no relógio.
como explicado, nenhuma forma de tratamento ou cuidado pode ser realizada sem o consentimento da mãe, incluindo uma cesariana. no entanto, é preciso coragem para recusar, quando o medo foi plantado na mente de uma mãe, com a informação de que seu útero pode se romper e seu bebê pode morrer a qualquer momento, por mais remota que esta catástrofe possa ser na realidade. ela precisa saber que as evidências científicas dão apoio à sua própria intuição de que ela não está correndo riscos reais naquele momento.
limitação da duração da segunda fase do trabalho de parto
restrições também são comumente colocadas sobre a duração da segunda fase do trabalho de parto. novamente, não há consenso de opinião e os limites variam de hospital para hospital. alguns são tão curtos que as mães têm muito poucas chances de um “desempenho adequado”.
uma porcentagem muito elevada de trabalhos vbac que resultam em um parto vaginal são via fórceps ou ventosa. os médicos ficam muitas vezes tão estressados com o que vêem como os perigos potenciais de um vbac que muitos não têm confiança para permitir que a mãe trabalhe em seu próprio tempo. eles querem que o nascimento seja concluído o mais rápido possível, para chegar ao ponto onde o aparente fantasma já tenha passado.
muitas vezes, a fase de transição, que precede a segunda fase – período de expulsão – e dura algum tempo, é totalmente esquecida, e assume-se que há expulsão ativa do bebê desde que a mulher atinge 10 centímetros de dilatação, quando, na verdade, a expulsão ativa pode nem ter começado ainda. isso pode levar à preocupação desnecessária com a duração do parto e com a falta de progresso na segunda etapa.
restrições de tempo no comprimento da segunda fase também aumentam o risco de que mãe e bebê sejam submetidos a um parto ‘assistido’ (fórceps ou ventosa), ou de que ela seja intimidada a empurrar sem a ajuda das contrações uterinas, geralmente em uma posição onde a gravidade não está ajudando.
para muitas mulheres, a perspectiva do uso de fórceps ou ventosa, geralmente acompanhado de grandes episiotomias, é aterrorizante. uma nova cesariana pode ser vista como o menor de dois males.
é claro que uma mulher tem o direito de recusar. ela pode querer fazer força por mais algum tempo, ou ela pode preferir recusar a oferta de fórceps ou ventosa em favor de uma cesariana. ela não tem que aceitar o que é oferecido. se uma mãe recusa fórceps e/ou ventosa e um nascimento rápido é considerado necessário, então uma cesariana terá de ser oferecida em seguida – e a decisão e o controle devem permanecer com a mãe, ao invés de com a equipe médica.
se, no entanto, a razão para que um nascimento rápido seja considerado necessário é apenas a areia da ampulheta ter se esgotado, e se mãe e bebê estão bem, há poucas justificativas para remendar o que não está quebrado.
muitas vezes as necessidades das mulheres são ignoradas e o controle lhes é negado. opções permanecem escondidas ou são apresentadas como inseguras ou inaceitáveis. as mulheres são frequentemente forçadas a concordar com o conselho do profissional de saúde, na crença, muitas vezes equivocada, de que este seja o único caminho seguro ou razoável.
armadas com boas informações, baseadas em evidências, as “mães vbac” são capazes de assumir o controle do nascimento de seus bebês. mesmo quando os eventos não progridem da maneira como se esperava, oferecendo à mãe a capacidade de permanecer no controle da situação e envolvida nas decisões tomadas, ela normalmente se sentirá forte e confiante. isto em grande contraste com as mulheres que tantas vezes saem traumatizadas das experiências de parto infligidas por um sistema rígido de políticas dirigidas.
para dar à luz sem intervenções é preciso coragem e informação suficientes para permitir que a mãe acredite em si mesma e em seus instintos. “mães vbac” podem e dão à luz bebês saudáveis com segurança, ​​sem muita dificuldade e sem trauma – e a chance de fazê-lo é muito maior se a mulher pode trabalhar em seus próprios termos e não nos termos estabelecidos pelos hospitais.

referências:
(1) a guide to effective care in pregnancy and childbirth, second edition, murray enkin, marc jnc keirse, mary renfrew, and james neilson, oxford university press, 1996, p293

(2) the national sentinel caesarean section audit report, rcog clinical effectiveness support unit, october 2001, p45

(3) birth after cesarean, the medical facts, bruce l flamm, md, simon & schuster, 1990, p105


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